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A violência contra crianças e adolescentes e a proteção social.

Como é feita a ação dos órgãos de proteção de crianças e adolescentes vítimas de violência?


Ao que se refere à fase infanto juvenil, tendo em vista todas as suas peculiaridades e conflitos que gera o processo de crescimento, pois neste momento está em desenvolvimento a maturação cerebral, com isso o intelectual e emocional estão em crescimento constante. Segundo Costa e Bigras (2007), esse grupo é percebido como aquele que enfrenta uma vulnerabilidade maior em relação aos fatores de risco biopsicossociais, que envolvem as respectivas subjetividades e os círculos sociais familiares, escolares, de saúde entre outros.
As crianças aprendem a enfrentar o mundo de acordo com a proteção, suporte e estrutura que lhe foram apresentados nos primeiros anos de vida. No entanto, partindo deste mesmo princípio, crianças que passam por experiências traumáticas desenvolvem uma autopercepção negativa e tendem a sentir incapacidade, baixa autoestima e medo.
Os serviços prestados à proteção de crianças e adolescentes devem possibilitar a promoção da qualidade de vida em todas as dimensões, desde o micro (família, amigos, comunidade) ao macro (sistema de proteção e judiciário), isso posto, o trabalho de articulação em rede apresenta o objetivo de promover a integralidade no que se refere à prevenção, amparo, acolhimento e defesa.
Essa rede de proteção envolve a assistência social, saúde, educação, sistema judiciário, administrativo de atendimento e políticas setoriais. Segundo Moura (2014), esses agentes designados a autenticar os Conselhos de Direitos Municipais e Estaduais, assim como os Conselhos Tutelares. No Poder Judiciário, atuam o Ministério Público, a Defensoria Pública, o Juizado, as Varas da infância e adolescência e as Delegacias especializadas. Essas instituições podem trabalhar de forma conjunta ou individualmente para a sustentação de medidas que visam a garantia de direitos e a redução de danos psicológicos, físicos, biológicos e sociais depois que há alguma violação à criança ou ao adolescente. Faz-se necessário um olhar que assegure proteção à infância diante da realidade social que atinge a integridade e perspectiva de vida desses indivíduos.
Com o propósito de proteger à criança e o adolescente da revitimização, as instituições de proteção encarregados de colher os depoimentos das vítimas de violência, devem atentar-se à importância da não exposição a ambientes que sejam entendidos como intimidadores, como as delegacias, ou locais com diversos profissionais para ouvir o seu depoimento, pretendendo evitar o seu constrangimento. É importante o cuidado para que não ocorra o contato visual daquela que sofreu a violência com o seu agressor, desencadeando mais sofrimentos e traumas. Melo aponta a importância da atenção a esse cuidado:
Assim, quando tratamos da investigação dos crimes contra a criança e o adolescente, certamente nos deparamos com algumas complexidades que não estão presentes em outros crimes. Por exemplo, em um crime de roubo, a vítima dificilmente se sentirá em dúvida quanto a registrar a ocorrência e a fornecer a maior quantidade de informações que levem à responsabilização do autor. Mesmo nos casos de traumas, a responsabilização do autor será motivo de conforto e de tranquilidade para a vítima. Em caso de violência contra a criança e o adolescente, a realidade é outra: primeiramente, estamos diante de pessoas ainda em formação e que, por isso, convivem com uma série de incertezas, de desconhecimentos e, ainda, com a dificuldade, muitas vezes, de se fazerem compreender e de serem plenamente acreditadas. Somado a isso, há que se considerar que grande parte da violência praticada contra a criança e o adolescente é perpetrada por familiares ou por pessoas próximas que, a rigor, deveriam cuidar-lhes e proteger-lhes. Disso decorre mais um conflito: o reconhecimento de que seu algoz é alguém que deveria lhes amar e proteger. Diante disso, não há como não reconhecer que esses crimes não podem ser tratados como os demais (MELO, 2014, p. 215).

Na Vara da Infância e Juventude trabalham psicólogos e assistentes sociais encarregados de aferir se houve a violação dos direitos das vítimas, auxiliando os juízes com informações que serão mais certeiras em apontar para qual medida cabível será tomada, muito embora, fique a cargo do juiz a decisão de se atentar aos apontamentos levantados pela equipe de profissionais ou não.
Um grande problema, segundo Moura (2014), está na relação que o estado cria com a vítima, em que o foco está em encontrar um culpado, entendendo este como alguém que fere as leis do Estado, colocando, dessa forma, a vítima em segundo plano, principalmente se a violação que ela sofreu for intangível à pele.
Outro apontamento necessário refere-seà questão dos prestadores de serviço do judiciário não precisarem de uma efetiva experiência ou uma percepção sensibilizada dos casos para trabalharem, entendendo a subjetividade de cada criança e adolescente, o que, obscurece a concepção da fala da vítima nos métodos utilizados para o depoimento. O senso comum leva quem está diante da criança ou do adolescente a não se atentar que, em muitos casos, o acusado é alguém do convívio ou círculo familiar da vítima, o que demanda apontamentos cuidadosos para o rompimento da violência. Segundo a Moura: “A Justiça da Infância e da Juventude defende os direitos violados por meio de um trabalho articulado e em rede, seguindo os ditames legais do ECA, as Varas Criminais atuam de forma desconectada a essa rede, centradas nos ritos jurídicos.” (2014, p. 109).
Isto é, a dificuldade apresentada pelas Varas Criminais de conseguirem perceber que além da criança há uma rede de proteção, que tem seu exercício vinculado ao caso, no qual a não articulação dificulta a efetivação do trabalho de muitos profissionais.
Para que ocorra uma movimentação por parte do Sistema de Justiça de uma maneira global com relação à proteção, faz-se necessária a articulação com a rede de atenção, de quem é esperado que já esteja realizando as discussões de caso, formando a rede de proteção, cuidando da saúde, das esferas sociais e das questões escolares, uma vez que, ter o Sistema de Justiça participativo dessas discussões seria extremamente benéfico para as crianças, adolescentes e suas famílias, pois eles ampliariam seus olhares para todas as dinâmicas que envolvem as peculiaridades daquele núcleo familiar.
Compreende-se que a revitimização ocorre quando é imposto à criança e ao adolescente que relatem sua história diversas vezes para profissionais diferentes, às vezes com mais de um profissional no ambiente, acarretando um possível constrangimento da vítima.
Ainda, um outro movimento é ignorado: a necessidade de que também haja um atendimento social e psicológico para os agressores. Isso busca possíveis recorrências de fatos violentos, já que é comprovado que grande parte dos agressores foram violentados pregressamente e não conseguiram ressignificar esse evento para encerrar o ciclo. Desse modo, o atendimento especializado deve ser algo que faça parte da rotina e seja padrão para a vítima e agressor; após houver entendimento a respeito das especificidades do Judiciário, ambos seriam encaminhados diretamente para órgãos responsáveis.
Em 4 de Abril de 2018 entrou em vigor a lei 13.431/2017, que prevê medidas de proteção e assistência a crianças e adolescentes vítimas de violência. Eles são reconhecidos como detentores de direitos fundamentais ao ser humano, o que se estende aos direitos inerentes do estado de vítima ou testemunha de violência, com a intenção de poupar e proteger a criança e o adolescente da revitimização e de nova violência no âmbito institucional.
Essa lei garantiu o direito de as vítimas serem escutadas por profissionais qualificados a respeito da situação que sofreram ou presenciaram. Foram determinadas duas formas de entrevistas: escuta especializada e depoimento especial. A escuta especializada é realizada por profissionais da rede de proteção, o depoimento especial é de carácter investigativo e para levantamento de provas para a polícia e judiciário.
A lei determina, ainda, que sejam validadas ações voltadas ao atendimento integral e ao acolhimento, apontando a responsabilidade da educação, assistência social, saúde, segurança pública e justiça nos âmbitos municipal, estadual e federal. Torna-se uma imposição legal a articulação da rede de proteção, devendo criar fluxos e protocolos de atendimento, fixado na lei n°13.431/2017 em parágrafo único:
“A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão promover, periodicamente, campanhas de conscientização da sociedade, promovendo a identificação das violações de direitos e garantias de crianças e adolescentes e a divulgação dos serviços de proteção e dos fluxos de atendimento, como forma de evitar a violência institucional.” (LEI Nº 13.431, DE 4 DE ABRIL DE 2017).
O artigo 4° dessa mesma lei elucida as formas de violências consideradas. A violência física é classificada como uma ação direcionada que traga sofrimento físico, que possa ferir a saúde corporal e agredir a integridade de um indivíduo. Já a violência psicológica, por conta do amplo aspecto de sua complexidade, a lei n°13.431/2017 tenta esclarecer de maneira ampla, onde é classificada como:
“a) qualquer conduta de discriminação, depreciação ou desrespeito em relação à criança ou ao adolescente mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, agressão verbal e xingamento, ridicularização, indiferença, exploração ou intimidação sistemática (bullying) que possa comprometer seu desenvolvimento psíquico ou emocional;
b) o ato de alienação parental, assim entendido como a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente, promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou por quem os tenha sob sua autoridade, guarda ou vigilância, que leve ao repúdio de genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculo com este;
c) qualquer conduta que exponha a criança ou o adolescente, direta ou indiretamente, a crime violento contra membro de sua família ou de sua rede de apoio, independentemente do ambiente em que cometido, particularmente quando isto a torna testemunha.” (LEI N° 13.431. DE 4 DE ABRIL DE 2017).
Por sua vez, a violência sexual é entendida como qualquer conduta que possa constranger o adolescente ou a criança a presenciar, praticar um ato libidinoso ou exposição corporal por meio eletrônico ou não. Ela também é dividida em abuso sexual, exploração sexual comercial e tráfico de pessoas.
Definamos brevemente cada uma. Abuso sexual é utilizar crianças ou adolescentes para fins sexuais, seja conjunção carnal ou outro ato libidinoso, por meio eletrônico ou presencial, para obter prazer do próprio violentador ou de terceiros. Caracteriza-se exploração sexual comercial quando a criança ou o adolescente é usado para atividades sexuais visando uma remuneração ou compensação, de maneira pessoal ou patrocínio, podendo ser incentivado por terceiros, tanto por meios eletrônicos quanto presenciais. Em relação ao tráfico de pessoas, este é apontado quando há o recrutamento, transferência e alojamento da criança e do adolescente dentro do próprio território ou em outro país, afastando-o de sua cultura, tendo como finalidade a exploração sexual, utilizando do uso de força, ameaça e rapto.
Em outra frente, a violência patrimonial é compreendida quando ocorre uma conduta de subtração ou destruição, sendo ela total ou parcial de recursos econômicos, bens e documentos para satisfazer as necessidades do criminoso.
A violência institucional também foi incluída na lei n°13.431/2017 e entendida como ações praticadas por instituições, sendo elas conveniadas ou públicas, que podem gerar a revitimização. Esse foi um grande avanço para a legislação sobre crianças e adolescentes, a tipificação dos casos melhorou o acesso à justiça quando qualquer um desses episódios venha a ocorrer, o que não tão certo no passado.
O Ministério da Saúde disponibilizou diversas cartilhas como forma de orientação, prevenção e proteção. A cartilha Guia Operacional de Enfrentamento à Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes (MPSP, 2020), especificamente, destaca o papel do Ministério Público na implementação de um programa de atendimento a crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência, com o objetivo de auxiliar promotores de Justiça ação de políticas públicas que garantam atendimento integral a crianças e adolescentes vítimas de violência.
Após a declaração da criança e a descoberta de algum responsável sobre a violência sofrida, há dentro da rede de proteção serviços de caráter público no qual se encontra a proteção social básica, especial e o sistema de justiça (CRAS, CREAS, Conselho Tutelar, SPVV e Judiciário) Ressaltasse no Guia Operacional de Enfrentamento à Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes:
“Ainda, a lei determina que os serviços de saúde, em suas diferentes portas de entrada, bem como os serviços de assistência social, como o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) e os demais órgãos do Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente devem conferir máxima prioridade ao atendimento das crianças na faixa etária da primeira infância com suspeita ou confirmação de violência de qualquer natureza, construindo, em rede, plano de intervenção intersetorial, que norteie o PTS e o PIA em cada política, que inclua, se necessário, acompanhamento domiciliar.” (MPSP, 2020, p. 33).
As denúncias podem chegar de diversos locais, a criança pode revelá-las na escola, no ambiente familiar, nos locais de convivência (como CCA’s, igreja e etc). Após essa revelação, caberá ao adulto responsável dar os encaminhamentos corretos para a denúncia. A cidade de São Paulo conta com Conselhos Tutelares, SPVV - Serviço de Proteção para Crianças e Adolescentes Vítimas de Violência, Disque 100, que é um canal para denúncias da prefeitura no que se refere a violação de direitos humanos, delegacias espalhadas pela cidade, serviços porta de entrada como CRAS - Centro de Referência da Assistência Social e serviços especializados CREAS - Centro Especializado da Assistência Social.
Está com dúvidas que seu filho ou alguma criança que você conheça esteja passando ou já passou por algum tipo de abuso ou violência? Não demore em buscar ajuda! Você pode ser a única salvação.
Agende agora um atendimento e tire suas dúvidas!




Texto escrito por:

Psicóloga Fernanda Lima



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